segunda-feira, 18 de maio de 2015

Arte.

Em nenhum momento se pode esperar qualquer medida de sucesso no mesmo mundo em que cadáveres reinam e estrelas distantes se vangloriam de seu extinto brilho que chega aos nossos olhos com longo atraso. No momento que escrevo, Seasick Steve está levando uma vida tranquila, mas apenas depois de ter passado décadas sendo chutado e cuspido com força. Elvis Presley está enterrado há décadas e conseguiu um lançamento de duas gravações inéditas em que se materializa um dos itens mais cobiçados dos últimos anos. Loretta Lynn consegue uma estrela na calçada da fama de Nashville, capital mundial da música Country, também conhecida como Music City, mesmo já sendo louvada como lenda do estilo há incontáveis anos. 

Em nenhum momento se pode esperar qualquer medida de reconhecimento no mesmo mundo em que Michael Jackson ainda é uma competição imbatível mesmo depois do notável problema de estar enterrado dentro de uma caixa de madeira. No momento que escrevo, Vangelis está aproveitando a mais bizarra aposentadoria de que se tem notícia no ramo musical, em que trabalha absolutamente todos os dias, sem publicar suas peças por "não querer impôr" suas músicas nos potenciais ouvintes, mas apenas depois de ter passado décadas trabalhando arduamente naquelas que podem ser muito bem consideradas como as mais belas manifestações da música erudita da civilização pós-Tesla. Eminem se recupera de qualquer problema que você prefira acreditar e continua lutando para preservar seu status como Deus do Rap mantendo a pose de Sun Tzu moderno ao relembrar todos os seus fãs de suas inseguranças, incertezas e escolhas erradas. Jack White consegue junto de Loretta Lynn uma estrela na calçada da fama de Nashville, capital mundial da música Country, também conhecida como Music City, mas apenas depois de ser louvado por sua habilidade de viajar com destreza entre inúmeros estilos dissonantes e ainda manter o fluxo de peças marcantes e originais que cativam o mais indiferente dos ouvintes.

Em nenhum momento se pode esperar qualquer medida de respeito no mesmo mundo em que Gene Vincent é lembrado como um dos pioneiros do Rock n' Roll apenas entre os entusiastas da história da música pop, e que alguns poucos conseguem ouvir suas peças originais e reconhecer frases melódicas de Raul Seixas. No momento que escrevo, Dexter Romweber é lembrado por muitos pela sua contribuição ao Rock moderno com sua velha banda, Flat Duo Jets, enquanto é quase completamente ignorada sua manifestação erudita no disco Piano, em que foi comparado seu estilo de composição com aquele de Frédéric Chopin, mas o multi instrumentista mantém sua versátil produção, ouvida quase que exclusivamente por aqueles que se dão ao trabalho de cavar mais fundo no panteão das canções pop. Dan Sartain, outrora numa escalada deveras interessante na escada da fama, agora mantém uma proximidade impressionante (e com leve toque de deprimente) com seus fãs ao vender suas guitarras a preços acessíveis e se dispôr a vender pequenas travessas (cinzeiros e porta chaves, no fim das contas) feitas com cópias derretidas de discos que não cumpriram com suas próprias expectativas. Shovels and Rope impressionam ouvintes pelo mundo com suas canções e inspiram crianças, jovens e adultos com uma qualidade quase indefinível de sua sinergia e dedicação inegáveis, mas ainda assim o conceito de um lançamento com distribuição digna ainda elude o casal, e leva fãs a se restringir às mídias virtuais, diminuindo drasticamente a possibilidade de levar um pouco da Carolina do Sul mundo afora.

Em nenhum momento se pode esperar qualquer medida de originalidade no mesmo mundo em que Lucasfilm é propriedade da Disney, Columbia Records é da Sony, Michael Trent é desconhecido, Jeff Bridges é um vilão meia boca, Heath Ledger é morto, Patti Smith envelhece, Karen Elson é escandalosa, Orion faliu, Amy Walker é viral, Frank Fairfield só tem dois discos, Willie Johnson sofre com a madrasta, Huddie Ledbetter sofre por racismo, Black Night é do Deep Purple, ou que Dr. Luke existe.

A todo momento se deve aproveitar a beleza encontrada, compartilhá-la com quem pode apreciar, converter quem ainda não pode e buscar continuamente por algo novo e incrível. Não existe sentido em lamentar a ausência de qualquer coisa se não existir a disposição para colaborar ao seu nascimento ou aperfeiçoamento. O motivo para se fazer absolutamente qualquer coisa é único, tudo se resume a uma tentativa de se trazer algo novo, seja uma música, um livro, um filme ou uma vida, mas é isso a arte, a busca de prolongar a si e ao mundo. E, na pior das hipóteses, a beleza ainda pode ser encontrada na busca.

Stop ramblin', stop gamblin',
Stop staying out late at night
Go home to your wife and your family
Stay there, by the fireside bright...

           - Leadbelly