terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Pop na vida e na morte

Todos os dias vejo postagens em redes sociais sobre como tal música foi feita pra tal pessoa, como tal filme é um retrato fidelíssimo sobre tal evento de tal época de tal pessoa... A pior parte é que os mesmo que ficam bradando isso aos quatro ventos são aqueles que acham isso bonito!
Alguns anos atrás assisti ao filme "Foi Apenas um Sonho" com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet e, por pura coincidência, havia acabado de sair de um relacionamento consideravelmente desastroso. Assim que começam a passar os créditos finais, começo a sentir uma depressão deveras assustadora. Percebo que a relação amorosa horrenda entre os personagens principais era um retrato quase perfeito do desastre romântico de que falei há pouco (com papéis invertidos, eu era o equivalente ao DiCaprio. Quem conhece o filme não precisa me julgar). Mas não achei isso legal, ou místico, ou nada do gênero, o que eu quis foi me isolar do mundo! Um evento tão complicado na minha vida se resumiu a duas horas na tela! Diálogos inteiros foram reproduzidos na peça quase-fictícia com uma ressonância absoluta nas discussões que tive poucos meses antes.
A parte que me assustou foi a dúvida. Será mesmo que somos tão sem graça a ponto de uns poucos minutos ou umas poucas horas de manifestações artísticas são o bastante pra nos resumir? Cada pessoa é realmente uma maquininha quebrada que entrou em looping em termos de relações com outras pessoas? 
Nesse blog nos propomos a discutir eventos e ideias relacionadas à cultura pop, mas em nenhum instante consideramos o impacto psicológico que essas discussões podem ter, se trazidas no nível apropriado para tal. Sim, gostamos de rock, jazz, terror, vinil... Mas e daí? O que isso significa realmente? Queremos ouvir Dead Weather por ser agradável e diferente, ou por refletir alguma coisa nossa de um jeito fiel? Preferimos Hellraiser a Sexta Feira 13 por sensibilidade artística, ou por termos um ego tão grande a ponto de nos identificarmos com demônios e não com psicopatas? E quem lê e gosta dos textos daqui, acha que encontrou almas gêmeas nos autores?
Será que a cultura pop tem um poder muito maior do que antecipamos? Ou será que somos simples ao ponto de uma música de dois minutos e meio fazer a gente chorar com lembranças do passado?

Eu admito, sou egocêntrica demais. Ouço as baladas românticas do Bob Dylan e fico pensando "realmente, [nome censurado] foi um babaca. Mas não foi culpa minha", e o evento do "Foi Apenas um Sonho", acabei  preferindo acreditar que foi apenas um caso isolado! Graças a essas conclusões vaidosas me sinto capaz de julgar os playboyzinhos e as patricinhas que saltitam pelo mundo com esses discursos no estilo "bob marley é do c*****o! eh minha cabeça inteira!" (eu sei, eu sei... Mas foi tirado do twitter. Realmente vi esse texto). Reconheço também que esse discurso "tenho muitas falhas e sei quais são" não deveria me habilitar pra falar do ridículo dos outros, mas algumas coisas não dá pra segurar...

A tradição entre a gente é trazer coisas novas, pois bem. Queria convidar a todos os leitores pra algum tipo de resposta. Propus várias perguntas, todas relativas ao universo popular. Que tal tentarmos respondê-las? Eu já defendo a tese de que o ser humano é uma criatura medíocre e com pouca imaginação no que se trata de relacionamentos (amoroso, de amizade, de trabalho, o que for...), alguém discorda? 
Se algo tão superficial como o pop nos retrata com fidelidade, alguém consegue discordar, ou somos todos "another brick in the wall"?


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Intangível

Em 1987 saía das páginas escritas por Clive Barker a história de Hellraiser. Filme de baixo orçamento, elenco (em grande parte) inexperiente e uma equipe jovem e sedenta. Louvado por público e crítica pela sua originalidade tanto sob um aspecto dramático quanto técnico (os efeitos visuais chamaram especial atenção, não se esperava que com tão pouco dinheiro disponível fosse possível obter resultados tão belos e aterradores). A história é relativamente simples, girando em torno de um quebra-cabeça no formato de um cubo que, quando resolvido, abre as portas do inferno para os chamados Cenobites, criaturas com visual um tanto demoníaco que buscam almas a serem torturadas pela eternidade:
"Angels to some, demons to others"
Graças ao sucesso do filme, surgiram oito continuações, uma série em quadrinhos, e toda espécie de mercadorias relativas à série (principalmente da personagem constante em todos os filmes, apelidada pelos fãs como Pinhead). Citando como exemplo do rico aspecto dramático do filme, pontuemos um elemento: em vários dos filmes temos a personagem Kirsty, uma moça jovem, dedicada à possibilidade de uma vida melhor.
Claro que existem certas limitações sobre quem pode abrir as referidas portas infernais. Os considerados "inocentes" estão imunes aos poderes do inferno, o que abre espaço para a reflexão dentro desse universo sobre quem, realmente, é inocente. A personagem que citei há pouco, Kirsty, aparece desde o primeiro filme como uma vítima. Uma inocente capturada no fogo cruzado da guerra entre os humanos atrás de experiências extremas e os Cenobites. Mas ela foi capaz de abrir a caixa.
Em uma das várias continuações, sua personagem reaparece, mostrando sua natureza de forma muito mais intensa, mas continua se escondendo atrás de máscaras de inocência.


Em 1980 era lançado sob a direção de Sean S. Cunningham o filme Sexta Feira 13, originalmente criado como forma de aproveitamento do sucesso de Halloween (lançado em 1978, marcou o começo de toda uma geração de filmes de psicopatas especializados no assassinato de jovens), acabou por ter um público cativo independente do filme de John Carpenter. História (novamente) simples, mas sem o charme de Hellraiser, uma série de assassinatos desencadeados pelo suposto afogamento de Jason Voorhees quando criança em um acampamento de verão (resultado de distração dos jovens responsáveis pelo garoto e seus companheiros).
Franquia com dez filmes seguindo uma linha temporal para a história, um crossover (Freddy vs. Jason), um remake (que narra a história do primeiro ao quarto filme), uma série de televisão, e (novamente) mercadorias diversas, foi claramente um sucesso assombroso, quase que incomparável no cinema terror.
Sem grandes aspectos poéticos (com exceção dos explorados no quarto filme, pela personagem interpretada por Corey Feldman), a franquia de Sexta Feira 13 se sustenta basicamente na repetição da história do primeiro filme. Mortes violentas de jovens desatentos.


"This isn't funny!"


Agora fico me perguntando num estilo John Cusack em Alta Fidelidade: Será que somos insensíveis por assistir filmes como Sexta Feira 13, ou assistimos filmes como Sexta Feira 13 por sermos insensíveis?
A apresentação das mortes na franquia de Jason é algo tragicômico, personagens horríveis morrem nas mãos de um sujeito que não tem nenhum senso de humor. O cinema trash pode ser algo realmente divertido (qualquer um que assistiu os novos "Piranhas" consegue entender o que digo), e são aqueles que divertem que conseguem marcar e resistir ao tempo. Christine (o carro assassino, lembram?) é um filme trash, mas com humor e poesia! Inúmeros outros exemplos já foram lançados, e em diversas épocas.
O primeiro Hellraiser teve orçamento de um filme B, mas a história recebeu grande parte do investimento, habilitando-o a ser um dos maiores clássicos do estilo. Sexta Feira 13 recebeu grande parte do investimento nas atrizes e em seus seios.

O ponto disso tudo é que eu realmente queria entender como pode um vilão como o Jason (que mal entende o que acontece ao seu redor) ser tão louvado, e tão famoso (ao ponto de ser feita uma produção realmente cara como Freddy vs. Jason que mencionei) e Hellraiser fica nos anais do cinema britânico enquanto os fãs esperam que a originalidade das histórias tenha um financiamento compatível. O público é tão insensível e apático (espelhando o Jason) a ponto de não ser sequer capaz de apreciar a poesia em Hellraiser?
Admito, demorei pra prestar atenção em qualquer um dos dois filmes. Perdi grande parte do gosto pelo cinema terror na minha infância. Mas recentemente resolvi pular os preconceitos e assistir esses dois marcos culturais. Como todo bom apreciador da sétima arte, uma das coisas que procuro em todo filme que vejo é o aspecto de originalidade. O que difere aquilo que estou assistindo de todo o resto que já vi antes? E essa foi a questão que fez eu me encher de Jason Voorhees. Ele é um zumbi sem falas, sem grandes objetivos de vida (proteger sua tumba de adolescentes excitados não me parece algo muito glorioso) e sem um pingo de mistério (a única coisa a respeito de Jason que não é revelada é o motivo de sua suposta imortalidade). Mas Pinhead (vilão constante da série Hellraiser, interpretado sempre pelo britânico Doug Bradley) é aquilo que se espera de um vilão. Claro que existe uma exploração da dualidade da personagem, mas a capa do mistério sempre sobrevoa nosso Cenobite. Em nenhum dos filmes que vi até agora existe uma explicação para as ações dele. Apesar de termos pinceladas gerais para responder essa e algumas outras perguntas direcionadas à natureza de Pinhead, é o desconhecido que impera na personagem. Sendo que, além do óbvio mistério acerca da personagem, temos também uma criatura demoníaca com apurado senso de humor! Ameaças dúbias, discussões filosóficas com vítimas, espaço para barganhas. Um enriquecimento completamente humano torna a violência muito mais intensa. Essa riqueza da personagem que permite a riqueza nas histórias. E é isso que atrai a mim e milhares de outros fãs.

Que fique claro que cito aqui apenas dois exemplos de uma miríade infindável de títulos (cinematográficos, literários e musicais) pra que seja possível uma absorção mais fácil da questão que levanto. Quem não conhece nenhuma das duas séries que mencionei, ressalto que são parte da cultura obrigatória no mundo ocidental. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

TMR, RRS, LB, ILB etc.

Já mencionei em postagens anteriores uma gravadora chamada Third Man Records, assim como também um clube especial criada por ela, reservado a membros dispostos a fazer o pagamento trimestral de sessenta dólares, chamado The Vault (O Cofre). Esse clube oferece para seus membros, seguido do pagamento da trimestralidade, um pacote (que também já mencionei) que envolve um LP, um single e algum item bônus (variável de acordo com o pacote) que só estão disponíveis, depois do vencimento da inscrição, no eBay, Amazon, e alguns outros sites de revenda (os vendedores são os conhecidos flippers. Aqueles que compram material exclusivo de difícil acesso com o único objetivo de revenda, sem nunca ouvir, apreciar, ou sequer gostar daquilo que compram). Eu sou, desde Janeiro de 2012, membro do cofre da Third Man, e cada pacote que recebi trouxe suas agradabilíssimas surpresas, mas eles não foram o único benefício que minha filiação trouxe. Graças à minha fidelidade à única gravadora que me empolga hoje em dia, recebi (como todos os outros membros) a possibilidade de comprar uma edição especial e limitada do Blunderbuss (disco de estreia da carreira solo de Jack White, que também já foi tema de postagem).
Quase todos os lançamentos da referida gravadora possuem alguma edição especial, incluindo (mas não se limitando a) discos bi e tri-colores, versões que brilham no escuro, discos dentro de discos, e assim vai. No caso do Blunderbuss, o lançamento especial foi o Lightning Bolt, um disco negro com uma faixa azul atravessando-o, disponível apenas na Rolling Record Store (Loja Móvel de Discos, que estava estacionada em várias das cidades em que Jack White visitou em sua turnê). Como era de se esperar, a RRS não visitou o Brasil, então minha única possibilidade, como bom viciado, seria desembolsar algo em torno de 300 e 500 dólares que os desgraçados dos flippers cobram.
Mas a TMR, consciente que nem todos os seus fãs estão em lugares em que o acesso à loja móvel seja conveniente, fácil ou barato, disponibilizou uma nova versão especial do disco à venda no site do Cofre, no valor de 20 dólares (mesmo preço da edição normal), com a promessa de que, caso os números de vendas não fossem atingidos dentro do nosso clube, a venda iria se expandir para a loja virtual (disponível a qualquer um que tivesse interesse, enquanto houvesse estoque). Sem querer perturbar os fãs que haviam acampado nas ruas, esperando a oportunidade de comprar o Lightning Bolt, surge então o Inverted Lightning Bolt (semelhante a seu predecessor, mas com as cores invertidas). Fui um dos 15 primeiros a comprar a nova edição, empolgado como uma criança no Natal.
Já havia feito diversos contatos com funcionários da TMR, reclamando de atrasos, elogiando serviços, agradecendo a atenção e especificando o tipo de material que gostaria que fosse lançado. E sempre fui muito bem atendido. Profissionais atenciosos respondiam prontamente a (maior parte de) meus e-mails, nunca deixando a desejar. Então, não satisfeito com minha entrega de centenas (talvez já tenha alcançado os milhares) de dólares nas mãos deles, resolvi escrever uma nova mensagem:

"Hello there!
I am probably one of the most pain-in-the-ass clients you guys have. Every quarter and every record I buy off of you guys I get all jumpy and nervous, start screaming about when it will get here, how long is the normal waiting period, why aren't the records sent by some TMR official postal service rather than counting on local post offices...
But I gotta tell you... Every single day I go through the Vault, news, and photo galleries just to get a glimpse of what you see every day. I am planning a trip to Nashville in the distant future with the Third Man HQ as my main stop. And every time I see some new announcement, I just flip, man!
This new release, the Inverted Lightning Bolt, was the kind of thing I've fantasized about (the same as so many others fans, like me, who -right now- can't get anywhere near the RRS, or the HQ). Through sheer luck, I was able to get my hands on this totally amazing copy of Jack White's Freedom at 21 flexi disc (which is the gem of my TMR collection), and these albums you're putting out make my appreciation for the music industry today get a newfound strength.
In short, I'd just like to thank you all for helping fans all over the globe to be not only witnesses, but also a part of a new page of musical history.
Peace."

Olá!
Sou, provavelmente, um dos clientes mais chatos que vocês têm. Todo trimestre, e todo disco que compro de vocês fico realmente tenso e nervoso, começo a reclamar sobre quando vou receber o material, qual o tempo normal de espera e qual o motivo de não poder contar com um sistema oficial de entrega da própria gravadora, ao invés dos correios tradicionais...Mas tenho que dizer... Todo dia vasculho o Cofre, as notícias e galerias de foto só pra ter um relance daquilo que vocês vivem todo dia. Planejo uma viagem para Nashville num futuro distante com o QG da Third Man como minha principal parada. E toda vez que vejo algum anúncio novo, eu piro, cara!Esse novo lançamento, o Inverted Lightning Bolt, é o tipo de coisa sobre a qual eu fantasiei (assim como tantos outros fãs que, como eu, não podem chegar nem perto da loja móvel ou do QG).Por pura sorte, consegui pra mim uma cópia fantástica do flexi disc Freedom at 21, do Jack White (que é a gema da minha coleção da TMR), e esses álbuns que vocês estão lançados fazem com que minha apreciação pela indústria da música de hoje conseguir uma nova força.Em suma, só queria agradecer vocês por ajudar fãs por todo o mundo a não ser apenas testemunhas, mas também uma parte de uma nova página na história da música.Paz. 
Relendo a mensagem, percebo que tive uma reação mais empolgada do que seria saudável, mas realmente me impressiono com o trabalho dessa gente!
Enfim, tive uma resposta (novamente rápida) de Ben Swank, o terceiro no trono pela gravadora, atrás de Ben Blackwell e do próprio Jack White (CEO e arqueologista sênior, como diz seu cartão de visita). Me impressionei! Já conhecia boa parte da equipe através da troca de e-mails (vantagens de uma gravadora pequena), mas nunca havia atingido tão alto na hierarquia. Quando abro o e-mail, um certo grau de decepção acaba aparecendo em mim:

"thank you. 
Ben Swank
Third Man Records
615 891 4393 x306                                                                                                           
623 7th Ave South Nashville, TN 37203"
Não acho que precise de tradução nesse caso.

Reconheço que o volume de mensagens recebidas por eles é grande, que nem tudo pode ser respondido (como já aconteceu comigo), e que a maior parte de elogios e agradecimentos que surgem no fórum do próprio Cofre são ignorados por completo. Não queria uma resposta, só me manifestar. Mas realmente queria entender o motivo de um dos mais ocupados funcionários ali resolveu tirar alguns segundos pra ler minha mensagem e responder algo tão vazio! Realmente imagino algo como o Dana Carvey me respondendo:




Sou fã incurável, sou colecionador do material, sou músico inspirado por vários dos artistas lançados por eles. Não espero ser tratado como único e especial ali, mas ser respondido como um alucinado realmente não estava nas minhas expectativas.
Claro que essa resposta virou piada no meu círculo de amizades, e eu mesmo já respondi alguns elogios do mesmo jeito como referência interna. Mas realmente preferia o silêncio!

"If a torch should get near you, just pretend to be afraid of it.
I don't know why it works, it just does..."

               - Conan O'Brien


*imagem retirada do filme "Quanto Mais Idiota Melhor" (Wayne's World), de 1992.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Blundering Trough Song

Quem me conhece sabe que minhas preferências musicais estão quase sempre no passado, principalmente entre os anos 1930 e 1970. Dentre os pouquíssimos artistas atuais que realmente gosto, existe um elemento comum que é o contato intenso com aquilo que já passou. Entre os modernos, aquele com maior contato com o passado e, portanto, que mais gosto é Jack White, com sua veia poética e caminhos profissionais pouco usuais. 
Membro comum de várias bandas dos anos 1990, iniciou um projeto com sua então esposa, Meg White, chamado The White Stripes. Depois de três discos lançados e algum nível de reconhecimento, aparece a saudosa Seven Nation Army, quase que uma peça folclórica da nossa geração, não é abuso considerá-la a mais famosa música dos anos 2000. Uma carreira de 10 anos tendo Meg como única companheira de banda ajudou a alavancar seu segundo projeto, The Raconteurs, com um foco mais abrangente que os Stripes (provavelmente associado à maior quantia de membros na nova banda), os Raconteurs logo alcançaram sucesso comercial e crítico. Em 2009, dois anos antes do fim da primeira banda citada aqui, nasce um terceiro grupo, The Dead Weather, usado para inaugurar a recém-nascida gravadora Third Man Records. Sem o mesmo impacto das duas bandas anteriores, o Dead Weather consegue um espaço respeitável no círculo artístico com suas influências eletrônicas e blueseiras. Mesmo sendo difícil de acreditar que esse sucesso aconteceria sem a carreira prévia de todos os membros da banda (na guitarra, Dean Fertita, do Queens of the Stone Age, Jack Lawrence no baixo, dos Greenhornes e Raconteurs, Alison Mosshart no vocal, do The Kills e, na bateria, Jack White), algumas peças genuinamente interessantes surgiram.
Então, depois de três sucessos (dois considerados supergrupos), o Sr. White resolve, este ano, assumir uma carreira solo, e logo no primeiro semestre de 2012 o disco Blunderbuss aparece nas lojas. Admito que fiquei, como todo bom fã de White Stripes, empolgado e realmente curioso, e, logo na primeira audição (dentro do metrô lotado, na hora do rush de São Paulo) considerei que havia achado uma nova pérola da nossa época. Mas mesmo com músicas realmente chamativas como On and On and On, Weep Themselves to Sleep e I'm Shakin' (essa última sendo um cover de Little Willie John) algo não me parecia certo. Recentemente rodei o disco mais uma vez e acabei entendendo minha opinião dividida.
Peças como Journey to the Centre of the Earth (Rick Wakeman), Dark Side of the Moon (Pink Floyd), Tubular Bells (Mike Oldfield) ou Led Zeppelin IV (Led Zeppelin), citando pouquíssimas, precisavam ser apreciadas por inteiro. Um braço ou uma perna ainda podem ser de algum uso quando separados do corpo, mas perdem sua verdadeira função e força quando amputados, essa é a analogia mais fiel ao poder de cada música que integrava os referidos discos. Uma história contada através de uma série de canções é uma herança cultural antiga e ainda muito valiosa, tanto num aspecto dramático quanto poético. Robert Plant, vocalista do extinto Led Zeppelin, revelou em entrevista que não gostava de laçar singles (discos contendo de duas a três músicas) justamente por reconhecer o valor do recurso que menciono. Infelizmente, esse aspecto de continuidade é ausente do Blunderbuss.
Uma música atrás da outra no disco de Jack White faz referência a casos amorosos desastrosos, existe um elo unindo cada faixa, mas a variedade enorme de estilos (cobrindo desde um rock influenciado por hip hop de Freedom at 21 até a balada suave de I Guess I Should Go to Sleep) e repetição incansável do mesmo tema não criam uma história, mas um aglomerado de reclamações, uma ótima coletânea.
Ainda considero White como sendo um dos últimos poetas da música pop, com a habilidade e talento necessários para se criar uma obra memorável, mas a mentalidade (assumida pelo próprio) de se tratar cada música como o lado A de um single acaba por roubar o mundo dessa possibilidade.

"Like just 'bout every other tale
Someone's gonna die in the end"
               - Jack White

(texto escrito enquanto o autor ouvia Blunderbuss no modo shuffle.)

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

E-mails.


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Todo texto publicado nesse blog passa pelos olhos dos três colaboradores. Frequentemente conversamos por e-mail tentando bolar novas ideias e ver quem se encaixa melhor com determinado tema. Logo abaixo estou publicando um trecho de uma dessas conversas. Achei que ficou divertida demais pra deixar passar.
Os nomes dos colaboradores foram alterados, assim como a redação de cada um, mas sem comprometer nossos estilos. Enjoy!

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Don: Os tempos não são mais os mesmos, cara... Na antiga União Soviética era proibido escutar e até ter discos dos Beatles. Os jovens que eram realmente fãs compravam esses discos no mercado negro. O salário mínimo na época (comum a muitos jovens) era na faixa de 150 rublos, enquanto isso um disco da banda no mercado negro custava na faixa de 80 rublos. Ainda assim eles compravam.
Mas eles tinham problemas pra amplificar o som. Começou uma procura imensa por chapas usadas de raios X. O tráfico disso era surreal. Eles colocavam o disco em cima da placa, uma agulha no disco e rodavam. O som era amplificado e eles conseguiam ouvir. Sem amplificador, sem caixa de som. Só uma maldita chapa.

Dexter: Então agora você é comunista?

Don: Tô falando sério! Onde que tu acha que isso aconteceria hoje? Com que banda? Com que público?

Meg: Eu entendo o que você tá falando, mas a situação era completamente diferente. A música era muito mais do que só umas notas, era uma declaração pra humanidade. Não precisava ser os Beatles, ou os Stones, ou qualquer outra. A questão pra esses jovens era a de que existia um outro mundo, algo radicalmente diferente de tudo o que eles ouviram falar e, por acidente, os Beatles foram os mártires da situação.

Dexter: Essa é a questão que ele tá levantando. Ele tá falando da época em que música não era só entretenimento. Eu concordo que a visão do povo em relação à música mudou, mas a Meg tá certa, o mundo tá diferente.

Don: Ok, então o mundo mudou, a visão mudou, mas nem por isso o poder da cultura pop tem que enfraquecer. Podia ter mudado de forma, como todo o resto. Poderia não significar liberdade, mas dor, indiferença, qualquer outra coisa que marque o mundo de hoje!

Dexter: Acho que o problema é que os poetas que existiam acabaram se cansando, e não tem ninguém pra tomar o lugar. O Bob Dylan, por exemplo. O cara tinha uma voz horrível, fazia músicas cansativas, e só sabia irritar os fãs, mas a poesia dele era uma coisa que atingia as pessoas. Não sei contar quantas versões de músicas dele gravadas por outros que realmente impressionam, e acho que é porque tinha algo realmente potente naquele som. Algum sentimento muito intenso que não dava pra deixar passar, especialmente se você tivesse alma de poeta.

Meg: Mas nem todo mundo era poeta nessa época. Era o povão que curtia o som de alguém como o Dylan, mas era tudo trabalhador, gente que só ouvia isso depois de passar o dia na construção, estacionando carros, correndo atrás de remédio pros filhos, se quebrando pra pagar o aluguel. Sei que esse tipo de gente ainda existe, então como pode ninguém desse grupo ser chamado de poeta?

Dexter: Caralho, Meg. Não tô falando que todo mundo era poeta. Não basta assistir “On the Road” pra sacar a realidade da época. O fato é que toda ideia interessante, pra ser assimilada por alguém, tem que ser alguma coisa que esse alguém já pensou antes. Nem que tenha dispensado instantaneamente achando “ah, isso não me interessa agora”, mas já ficou dentro da pessoa aquilo. Se o playboyzinho ouve uma música sobre a empregada que faz tudo e não tem nada em troca, não vai significar nada pra ele. Pode até achar uma melodia bonita e tal, mas não passa disso. Agora, se o filho da empregada ouve essa música, ele se empolga com aquela sensação “cara, alguém mais saca isso!”. A poesia é aquilo que dá voz pros outros, não pro poeta. Ter a alma e o coração de um não significa que vai praticar, só que você vai entender.

Don: Cara, não sei ainda se concordo ou não com isso. Mas será realmente que o povo mudou de um jeito que não prestaria atenção em alguém que falasse em uníssono? Nada de promessas políticas, mas uma manifestação artística dando voz aos anseios e aos medos.

Dexter: Não acho que o povo sequer precise disso agora.

Meg: Tá, se o povo não precisa disso, então como pode tanta gente reclamar da qualidade da arte de hoje?

Dexter: É que quem reclama são aqueles que tem algo de diferente! Quem acha que Skrillex (acho que escreve assim o nome dele) é uma barulheira sem sentido e prefere ouvir algo como Chico Buarque ou Miles Davis é quem reclama. Não adianta esperar uma reclamação dessas de alguém que não tem mais sensibilidade nenhuma!

Don: Acho que estamos alienando gente demais, velho.

Dexter: A gente sempre alienou gente demais. Nós três. Por isso pulamos nesse negócio de blog! A gente ainda tem esperança que alguém se interesse e se sensibilize com aquilo que tem sentido pra gente. Você mesmo fala, Don, que não conhece quase ninguém que se empolgue de verdade com cinema e música. A Meg vive reclamando que não curte essa literatura intelectoloide do pessoal que cerca ela, e prefere alguma coisa com substância real! “It can’t be borrowed balls, recicled balls... They gotta be FRUIT balls!”*

Don: Mas e daí? Não adianta nada a gente achar um grupo legal pra ficar elogiando uns aos outros. Tu não acha que vale mais tentarmos converter pessoas que normalmente não pensariam naquilo que valorizamos? Nunca fomos isolados, e tu sabe disso. Sempre tivemos alguém pra conversar sobre o que fosse, e foram esses contatos que nos forçaram a pensar sobre algo além do que acreditávamos. Crescemos com cada contato que vem de fora do nosso mundo, então acho que é possível tentar achar gente que não acreditava ter interesse nisso tudo.

Meg: A religião da cultura pop? “Todos saúdem o Fonzie!”**

Dexter: Olha, até pode acontecer, mas como eu disse antes, não acho que sejamos bons o bastante pra colocar na cabeça de alguém alguma coisa que já não tenha passado por lá.

Don: Eu posso ser cínico pra diabos, cara, mas não consigo acreditar que as pessoas sejam TÃO fechadas assim!

Dexter: Eu torço pra estar errado, meu! Sério! Mas olha só. Nos anos 1950 tínhamos músicos fantásticos, Chuck Berry, Muddy Waters, Miles Davis, e assim vai. Hoje temos quem?

Meg: Também dá pra pensar que hoje tem a janela pra aparecer gente desse nível, mas com um foco que se adeque à necessidade popular atual.

Don: Exato.

Dexter: E enquanto isso tem o risco de alguém com verdadeira alma de poeta estar se encolhendo num canto achando que ninguém teria vontade de prestar atenção. Perdemos uma pessoa fantástica (culturalmente falando) enquanto tentamos encontrar um universo de gente meia boca.

Don: Cara! Isso é cultura pop! Não é uma salvação, não é uma necessidade vital pra maior parte das pessoas, não é algo que vai melhorar o mundo! Isso é alimento pra quem tá afim, só isso! Tu tem que parar de agir como se pudéssemos melhorar o mundo conhecendo um artista a mais ou a menos!

Dexter: Não é a arte que melhora o mundo, eu sei disso. Pra melhorar, o povo precisa se manifestar, ok. Mas será mesmo que o povo não se manifestaria se a visão de mundo fosse um pouco mais otimista? Não é isso que a arte faz pela gente?

Meg: A arte é uma escapadinha. Quem quer fazer realmente alguma coisa não depende de uma música ou um livro! O trabalho do artista é só ajudar os outros a se sentirem diferente daquilo que tão acostumados.

Don: AH, eu tô indo nessa... Depois continuamos.

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Notas: (*) Referência ao filme Still Crazy.
(**) Referência às séries Happy Days e Family Guy

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Jazz e Vida


Relendo a postagem anterior sobre sorte, percebe-se que nosso caro colaborador (e fundador do blog) não gosta muito de elaborar sobre um assunto tão rico e constante no mundo artístico. Creio que um exemplo mais pontual e menos imaginário seria mais interessante no compartilhamento de algumas ideias.

Na primeira metade do século XX surgiu um talentoso pianista de jazz. Muitos o conhecem como Duke Ellington. Seus discos eram um sucesso incomparável no começo da carreira, mas apenas no circuito da crítica profissional. Os conhecedores técnicos do estilo consideravam o jovem Duque um rapaz genial, destinado a grandes coisas. O infeliz morria de fome, mas era gênio. Depois de anos de carreira, lançou o saudoso “Ellington Indigos”, um disco como poucos da época. Ressaltou, dessa vez, sua habilidade de pianista solo, não usando o piano meramente como instrumento de acompanhamento rítmico (como era quase que obrigatório nessa época). A crítica odiou, ele deixou de ser o gênio que era há tão pouco. Se vendeu a troco de comida, coitado. Infelizmente, somado a esse deslize imperdoável, Ellington teve uma longa carreira, manchada por esse disco, um lembrete constante do momento em que vendeu sua alma. Claro que, o que a crítica não se importou em perceber, é que é o povo que reconhece seus gênios. Ellington Indigos apresentou o jazzista ao grande público, e foi justamente esse grande público que foi capaz de levá-lo ao patamar de lenda da música pop. Pobre Duke, vendeu sua alma ao ser honesto, vendeu sua alma ao mostrar um talento recém-descoberto, vendeu sua alma pra comer, sofreu tanto nas mãos dos conhecedores que, creio eu, seu disco “Ellington at Newport”, o mais famoso e mais vendido disco que já gravou, não deve ter dado prazer nenhum a ele. Pobrezinho do artista honesto...

Então cabe a pergunta. É tão difícil assumir que a sorte teve um importante papel na epifania do jazzista? Será mesmo que não foi uma questão de sorte ele perceber que podia (e precisava) fazer algo diferente de agradar uns fracassos que só sabem falar daquilo que não entendem? O próprio evento no festival de Newport (show do qual nasceu o citado disco mais vendido de Ellington) foi surreal por si só!
O Duque estava em baixa novamente, o mundo mudava, a apreciação pelas big bands começava a se restringir aos artistas e idosos, a preferência popular era o folk, ou o blues. Vários músicos fantásticos da banda de Ellington precisaram se demitir, já que não queriam trabalhar de graça. Sobe ao palco do mais famoso festival de música popular até então uma banda desfalcada, cansada, faminta (novamente), sem fé. O show começa pra um público de senhoras analisando suas unhas, sujeitos descolados pensando no melhor caminho pra se voltar pra casa mais tarde, tentando evitar o trânsito mais pesado. Nosso amado e ignorado Duque havia prometido a Paul Gonsalves (seu saxofonista) um solo tão longo quanto este quisesse, quase soando como um presente de fim de carreira, no estilo: “Se é pra acabar, que acabemos com um pouco de classe. Se diverte, cara”.

O solo chega.

Um nervoso sax acompanhado principalmente pelos socos rítmicos no piano, um úmido, constante e quase místico acompanhamento na bateria, combinados com a harmonia demoníaca e alegre do baixo. A festa de Gonsalves e Ellington começa a contagiar o público, a dança começa a correr solta debaixo da chuva de dois dias (honestamente, Newport sempre me soou como uma escolha meio estranha pra um festival ao ar livre), 27 estrofes de improvisação instrumental intoxicam a plateia, os produtores, os outros músicos, os cachorros da vizinhança e as moscas que passavam, procurando pela plateia morta que estava ali há pouco.
Esse único solo, a escolha de Ellington de dar um presente ao membro de sua banda, a sorte de a plateia não ter ido embora ainda, tudo isso resultou num novo fôlego pra carreira do Duque, uma nova vida que não iria mais abandoná-lo.

E é nisso que o jazz, a música, a arte e até a vida se resume. A sorte de achar a próxima nota, não de forma adequada, mas de forma sublime. Nunca subestime o valor do intangível em tudo aquilo que vais fazer. Sem ele, somos só uns vasos vazios que vão quebrar com a primeira brisa de problemas.

"Sometimes you have to play a long time to be able to play like yourself."

                          - Miles Davis

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

EXTRA - Cosmópolis



A ideia pra esse blog nasceu alguns meses atrás. Através de conversas com dois  amigos conhecidos pela internet, eu (Don Healy II) convidei eles para participação na autoria dos textos. Graças à possibilidade do anonimato na rede, cada um de nós adotou um pseudônimo. Dexter Morgan (vivendo em SP) escolheu seu alter ego inspirado na famosa série de televisão, e Meg Simpson (vivendo no RS) escolheu sua nova identidade devido a uma mistura de interesses. Sendo essa uma postagem extra (saindo do padrão semanal que estipulamos desde o primeiro post), achamos interessante abordar o filme “Cosmópolis” (de David Cronenberg e que nos impactou com uma agradabilíssima surpresa), com dois textos especiais, cada um com seu ponto de vista sobre a obra. Enjoy!

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Saía em 2003 da mesa do romancista Don DeLillo o romance Cosmópolis. Uma aventura da era digital, remanescente de uma geração ultrapassada, relembrada apenas como um bando de bêbados mimados e descontentes com as próprias vidas. A técnica havia desaparecido, mas o instinto e a ideia continuavam ali, pulsando como algum órgão sujo num conto de Bukowski. Escondido na escrita clara de DeLillo estava a o estilo que vive há décadas, e foi o diretor e roteirista David Cronenberg que precisou perceber isso.

A geração de um Burroughs nu, um uivante Ginsberg e um perdido Kerouac foi trazida de volta à vida através da magia do cinema. Nenhuma relação com o lançamento em película de “On the Road” foi necessária pra isso. A adaptação cinematográfica de Cosmópolis (que Cronenberg, com extrema fidelidade e, ao mesmo tempo, dando o toque pessoal com surpreendente profundidade) é a manifestação moderna do passado que consegue juntar Sal Paradise (protagonista de On the Road) e Ulysses (apresentação um tanto supérflua, mas podemos lembrar dele através das páginas de James Joyce) em um único personagem com extensos problemas de egocentrismo e negação do próprio mundo, e suas tentativas patéticas de entender e se aproximar de quem o cerca. Era recurso comum na geração beat usar o mundo como uma metáfora para os problemas do próprio mundo, expondo principalmente o lado cruel e doente das pessoas que aqui habitam. O descontentamento com as ideologias agressivas que sempre exigiram a palavra final era manifestado através de nervosos pensamentos disfarçados num oceano de caos, metáforas em conflito e adjetivos contraditórios. Hoje temos um mal constante que se arrasta pelas atitudes humanas, chamado “indiferença”, o que, convenhamos, é um tema difícil de se abordar. Como combater uma característica tão intensa que, por si só, impossibilita qualquer reação aos ataques? A indiferença na qual Cosmópolis se baseia (fidedigna ao mundo em que vivemos) se mostra extremamente fraca, principalmente quando o mundo começa a perceber o resultado dessa nova ideologia. Revoltas nas ruas não são o bastante pra atordoar nosso protagonista, é necessário um mergulho nas ruas que ele tanto evita, escondido em seu universo em que as maiores prioridades são prever o futuro e ofender aqueles que o ajudam. Uma vez que o egocêntrico tenha contato com o mundo real (não o da anarquia sem criatividade, mas aquele em que seus pecados exigem pagamento), aquilo no qual que ele próprio poderia ter se tornado toma forma física, e o único objetivo, o único pensamento que surge com clareza não possui outra escolha que não se concretizar.

O passado não morre enquanto seus crimes não sejam compensados. A geração beat não vai deixar de existir enquanto seus pecados não sejam redimidos. Seu nome pode mudar pra qualquer máscara que soar mais adequada às novas gerações, mas enquanto houve algo pelo que reclamar, ela estará viva, e o único motivo pra isso é que nós, o povo, precisamos dessa possibilidade. A geração beat é a cultura pop.

“The weight of the world is love. 
Under the burden of solitude, 
Under the burden of dissatisfaction 
The weight, the weight we carry is love.”
                        - Allen Ginsberg
                                                                                                                         Don Healy II

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É difícil pensar sobre o quanto a gente está sozinho. Se pensamos na solidão, a ideia em si é nossa companhia, não? Acho que todo mundo já ouviu aquela história de “se você ficar olhando, eu não consigo”. Talvez seja interessante pensar sobre todas as pessoas que esse “você” da piada podem ser.
Assisti há pouco tempo o lançamento “Cosmópolis”, e insisti pra meus colaboradores aqui do blog (assim como tantos outros colegas) que assistissem também. Dou certeza que meus motivos são bem fáceis de entender pra quem conseguir sacar a beleza do filme.
Tentar resumir esse texto ao personagem principal só iria alimentar ainda mais o ego dessa criatura abjeta, então o caminho mais sensato pra seguir tem que ser o do impacto do egoísmo dele no mundo.
Toda essa história clichê de que “tanta riqueza está nas mãos de poucos, por isso temos tanta miséria” é a mais pura verdade, mas uma perda de tempo. Qualquer um quer ser rico, isso não é um desejo que fica só na cabeça dos egoístas e “malvados” (e ter nojo daquilo que queremos ser não é uma coisa muito prática!). Então dizer que “Cosmópolis” é uma narração do resultado do rico mal em choque com o pobre seria uma bela duma hipocrisia. A questão que esse filme explora tão bem é o que passa na cabeça do rico e do pobre numa situação de conflito, não os motivos de cada um. Todos tentamos justificar as decisões do jeito mais inteligente possível, quando só queremos, na verdade, realizar desejos íntimos. Não ficamos lamentando pela camada de ozônio quando desejamos um carro mais potente. Não queremos pensar na criança pobre trabalhando nas roupas de marca que compramos. Se temos raiva do rico, é só porque ele é rico e nós não. Se o rico tem raiva do pobre, é porque o rico sabe o que o pobre realmente quer, que é uma troca de lugar. Se o rico não ajuda o pobre, é por que o rico é cruel, não tem nem quer ter um coração, e se o pobre não ajuda o rico é por que ele tá procurando uma revolta social. Ninguém pensa nos interesses pessoais que guiam todas as nossas vidas. Se escrevemos nesse blog, não é por que queremos que as pessoas tenham contato com alguma coisa que antes não conheciam, é porque queremos escrever!
Esses conflitos que o filme explora são antigos, e não vão acabar nunca. Enquanto existir alguém com alguma coisa melhor que o que você tem, você vai querer ir mais longe também. Não existe ninguém que seja responsável pelos teus problemas, não interessa se você culpa teu chefe, teus pais, teu cachorro ou teu vizinho. O fato é que sempre vai ter dor e tristeza, e enquanto não aprendermos a viver com isso, a única coisa que vamos fazer é bater o pé feito uma criança mimada.
Aos dois ou três anos de idade, fingimos ser adultos. Usamos roupas dos pais, ou coisas parecidas. Aos vinte ou trinta anos, fingimos ser crianças. Será que vai ter alguma hora que vamos assumir a responsabilidade sobre aquilo que queremos e fazemos?

“Confusion hath fuck his masterpiece.”
                        - William S. Burroughs
                                                                                                                   Dexter Morgan


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Uma Alusão à Fortuna


É injusto como os processos criativos da mente se comportam do mesmo jeito que nossos processos metabólicos. Quando você sente dor de barriga, a primeira ideia que nos parece sensata é sentar ao vaso sanitário e deixar a natureza seguir seu curso. Mas, por puro azar, horas depois, lhe bate na cabeça a realidade de que você perdeu tanto tempo apreciando o azulejo à tua volta, mas ainda a água embaixo de ti está limpa (ou, pelo menos, tão limpa quanto pode ser a água de tal vaso). Algumas pessoas resolveriam, então, tomar elementos químicos estranhos ao nosso organismo para facilitar a união da vontade com a ação, o que aumenta bruscamente as chances de alcançar a satisfação anteriormente perseguida. Sacaram? Imaginem os Rolling Stones nos anos 1960. É difícil de imaginar que os rapazes escreveram tantas músicas, tão boas, durante tanto tempo, sem sofrer nenhum bloqueio momentâneo. Parece natural imaginar Brian Jones e Keith Richards sentados numa cama suja, num quarto sujo, com os violões na mão, olhos pregados no teto, sem uma única ideia nova que tenha o mérito de ser aproveitada. De repente, olham juntos para a mesa ao lado, e alguma força superior, cósmica, divina, transcendental, algum alinhamento misterioso dos planetas os levam a pensar juntos na possibilidade de fumar aquele cigarro artesanal com alguma substância química (estranha ao nosso organismo) para facilitar a união da vontade com a ação. Minutos depois, a criatividade deslancha. Todo o preconceito com as frases musicais ruins desaparece, uma nota leva a outra, sons horríveis saem dos instrumentos e de suas bocas, mas é tudo motivo de riso. De repente, Jones sente que uma determinada sequência de notas lhe soa bem, mesmo no meio do caos. Richards ainda está em sua própria viagem psicodélica, mas também acha alguma coisa interessante. Cientes de seu estado, seria um desperdício deixar suas mentes alteradas esquecerem essas sequências. Registram-nas de qualquer jeito possível. Gravam, rabiscam, explicam pro seu vizinho, tocam a nova peça ao telefone pra alguma mocinha que foi ingênua o bastante pra acreditar que essa nova música era pra ela, e a grava em sua secretária eletrônica. E assim começa o esboço de algum dos primeiros sucessos dessa mitológica banda.

Não é justo como o processo que nos leva à excelência, ou mesmo ao vácuo criativo, não está em nossas mãos. Estar à mercê da mais pura sorte é perturbador. É claro que na comparação que fiz no parágrafo anterior, tanto o constipado imaginário quanto os (não mais) jovens guitarristas conseguiram cumprir seus objetivos. Insistência por diferentes caminhos foi a saída comum. Mas em nenhum dos casos pode-se dizer que encontrar o caminho não foi uma questão de fortuna. E, no fim das contas, quanto é que não dependemos da sorte?


“There must be something wrong with me
What it is I can’t quite see
I can’t seem to do nothing right!”
                           - Seasick Steve

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Da Columbia à Internet


Em 1982, surgia pela primeira vez para o público japonês, um novo formato de mídia chamado “Compact Disc Laser”, conhecido popularmente como CD. Aos poucos (leia-se o que está escrito, “aos poucos”, não “lentamente”), esse novo formato foi tomando o lugar de seu predecessor, o vinil. Os antigos “bolachões”, discos (frequentemente) negros de doze, sete ou dez polegadas foram abandonados na busca por um som mais “nítido” e “cristalino”, sendo mantidos vivos por vários anos apenas pelo esforço de certos DJs de música eletrônica e seus fãs. Mas, com o tempo, nem os CDs sobreviveram com tanta força, sendo substituídos mais recentemente pelo formato puramente digital da mp3.

Eu realmente defendo a ideia de que o formato em que a música está não muda sua qualidade, assim como a época em que ela é lançada não a define como boa ou ruim. Sou, como tantos outros, fã de músicas lançadas na década de 1920, assim como de outras lançadas (literalmente) na semana passada. Mas não consigo negar a influência do formato em que ela se encontra nos demais aspectos que a música envolve.
O vinil é, indubitavelmente, a forma mais romântica de se apreciar um álbum. Segurar um disco, analisar a capa dele num formato grande o bastante para ressaltar seus detalhes, mas pequeno o bastante pra sermos capaz de segurar com as próprias mãos. Ver a música acontecendo com a trepidação da agulha sobre as ranhuras daquela bolacha giratória. Ouvir os primeiros ruídos, antes de a música começar, quando a agulha desce. Sentir as vibrações ecoando pelo corpo, sabendo que você faz parte de tudo aquilo.

Não é à toa que a época áurea da indústria fonográfica se deu nos tempos do vinil. Não medimos o sucesso de um filme de acordo com o número de downloads, ou de locações do dvd ou blu-ray, mas de acordo com sua bilheteria no cinema. Não existe o envolvimento que falei quando damos dois cliques num mouse, ou engavetamos um minúsculo disco prateado num aparelho e fazemo-lo desaparecer.
A rainha do rock, Wanda Jackson, gravou um show recentemente na gravadora Third Man Records, enquanto promovia seu disco “The Party Ain’t Over” (produzido por Jack White). Pouco antes de cantar a famosa “You Know I’m No Good”, da polêmica Amy Winehouse, Wanda faz uma breve declaração de surpresa:

“This next song (...) it is from the album, however Jack [White] released this one first as a single, and it’s the first time in how many years I had a vinyl! And he said ‘oh yeah, that’s what young people are wanting!’”
“Essa próxima canção (...) é do álbum, contudo, Jack [White] lançou essa como um single, e pela primeira vez em sei lá quantos anos, eu tinha um vinil! E ele disse ‘ah sim, é isso que os jovens estão querendo!’”.

Poucos são os artistas de hoje que percebem a relação de simbiose com seus fãs. Uma nova geração surge hoje, tanto de artistas quanto de apreciadores, revitalizando valores do passado que possibilitam um contato mais profundo com o mundo. Eu acredito que a falta de interesse pela compra de álbuns se desenvolveu justamente pela distância entre as duas partes interessadas (músico e ouvinte), e uma proximidade maior realmente parece ser a resposta. A referida gravadora Third Man Records possibilita isso magistralmente, permitindo contato direto com os artistas, acesso a material exclusivo para aqueles que são clientes e, inclusive, um clube especial que presenteia trimestralmente seus membros com itens indisponíveis em qualquer outro lugar (exceto, é claro, posteriormente no eBay, a preços absurdos). O pacote trimestral consiste sempre em um LP de doze polegadas, um single de sete e um item bônus (podendo ser uma camiseta, cartão postal, livro, dvd, entre outros). Quando o fã se sente especial por estar investindo no material, é inevitável o interesse intensificado, e se sentir especial significa sentir que está fazendo parte da experiência.

Imagino que possam existir pessoas que preferem ouvir suas músicas favoritas isoladas do contexto de um álbum, num formato digital no qual eu não vejo graça. Não acho que essas pessoas não “apreciem” manifestações artísticas em sua plenitude. Uma das características mais belas da arte é justamente a capacidade dela de refletir o apreciador (recitando Oscar Wilde, no prefácio de “O Retrato de Dorian Gray”). Cada música, cada filme, cada quadro, cada fotografia, cada peça é incomparavelmente apropriada de acordo com o espectador e seu atual estado emocional. Não vejo como realmente curtir o honesto rock n’ roll do AC/DC em um momento de depressão, ou como se divertir com o som de James Brown sem sequer pensar em dançar. Alegar “fulano não ouve música de verdade” se baseando em gostos pessoais realmente não faz sentido. A única coisa possível de se dizer (apesar de não ser muito educada!) seria algo do gênero “não entendo como pode você pode ouvir isso, eu não vejo isso como música”.

Julgar determinado artista ou fã é fácil e pode até ser divertido quando existe a companhia apropriada, mas nunca é sensato esquecer a intensidade da relação de cada indivíduo com sua arte, já que ela propõe uma função única na sociedade. Cada peça “funciona” pra seu público alvo. Cada pessoa é perfeita pra sua peça. E nenhuma arte é completa enquanto isso não for entendido, consciente ou instintivamente.

"And they call me mad?
I'm not mad!
I am a god!"

                    - Conan O'brien

domingo, 21 de outubro de 2012

Prensagem de Teste

O mundo da cultura pop gira num caos quase absoluto. Sucessos absurdos vêm e vão numa velocidade impossível de se acompanhar. Durante quinze segundos, algum músico, escritor, ator, diretor, trapezista ou qualquer outro que ousou, pode ser um rei. Ganha rios de dinheiro através daquilo que joga ao mundo, sem esquecer, claro, do reconhecimento de leigos e profissionais dos quatro cantos do globo. Acabado seu período de vitória, quase não existirão mais aqueles que ainda se dizem fãs ou admiradores.

Até alguns anos atrás, a prática comum quando precisávamos de água era chegar em algum poço, descer um balde com uso de uma corda, recolher o precioso líquido, trazer o balde cheio pra casa e fazer todo o uso possível e necessário daquilo que buscou. Quando existe a vontade de assistir o mundo pop, a necessidade de direcionamento é inevitável. A menos que exista um foco, só existe uma superficialidade de conhecimento ainda mais drástica do que o popular já está acostumado. Com esse blog (em si, uma manifestação moderna da necessidade de acompanhar o mundo das superficialidades com um disfarce de profundidade) trarei aquilo que julgo digno de atenção no mundo do pop, especificamente, da música. Farei referências a obras clássicas da música, literatura, cinema e teatro, mas essas referências serão nada mais que a corda. A água que vocês, leitores, vão puxar, é aquilo que eu preciso pra não me afogar no tsunami cultural em cima de nós, o povo. Nós, que criamos (sem querer/perceber) a cultura pop. Nós que demos o nome pra ela.

"I wish I was purple
'Cause I'm feeling blue
I'm not looking for love
But a good fuck will do."

                      - BP Fallon