segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Intangível

Em 1987 saía das páginas escritas por Clive Barker a história de Hellraiser. Filme de baixo orçamento, elenco (em grande parte) inexperiente e uma equipe jovem e sedenta. Louvado por público e crítica pela sua originalidade tanto sob um aspecto dramático quanto técnico (os efeitos visuais chamaram especial atenção, não se esperava que com tão pouco dinheiro disponível fosse possível obter resultados tão belos e aterradores). A história é relativamente simples, girando em torno de um quebra-cabeça no formato de um cubo que, quando resolvido, abre as portas do inferno para os chamados Cenobites, criaturas com visual um tanto demoníaco que buscam almas a serem torturadas pela eternidade:
"Angels to some, demons to others"
Graças ao sucesso do filme, surgiram oito continuações, uma série em quadrinhos, e toda espécie de mercadorias relativas à série (principalmente da personagem constante em todos os filmes, apelidada pelos fãs como Pinhead). Citando como exemplo do rico aspecto dramático do filme, pontuemos um elemento: em vários dos filmes temos a personagem Kirsty, uma moça jovem, dedicada à possibilidade de uma vida melhor.
Claro que existem certas limitações sobre quem pode abrir as referidas portas infernais. Os considerados "inocentes" estão imunes aos poderes do inferno, o que abre espaço para a reflexão dentro desse universo sobre quem, realmente, é inocente. A personagem que citei há pouco, Kirsty, aparece desde o primeiro filme como uma vítima. Uma inocente capturada no fogo cruzado da guerra entre os humanos atrás de experiências extremas e os Cenobites. Mas ela foi capaz de abrir a caixa.
Em uma das várias continuações, sua personagem reaparece, mostrando sua natureza de forma muito mais intensa, mas continua se escondendo atrás de máscaras de inocência.


Em 1980 era lançado sob a direção de Sean S. Cunningham o filme Sexta Feira 13, originalmente criado como forma de aproveitamento do sucesso de Halloween (lançado em 1978, marcou o começo de toda uma geração de filmes de psicopatas especializados no assassinato de jovens), acabou por ter um público cativo independente do filme de John Carpenter. História (novamente) simples, mas sem o charme de Hellraiser, uma série de assassinatos desencadeados pelo suposto afogamento de Jason Voorhees quando criança em um acampamento de verão (resultado de distração dos jovens responsáveis pelo garoto e seus companheiros).
Franquia com dez filmes seguindo uma linha temporal para a história, um crossover (Freddy vs. Jason), um remake (que narra a história do primeiro ao quarto filme), uma série de televisão, e (novamente) mercadorias diversas, foi claramente um sucesso assombroso, quase que incomparável no cinema terror.
Sem grandes aspectos poéticos (com exceção dos explorados no quarto filme, pela personagem interpretada por Corey Feldman), a franquia de Sexta Feira 13 se sustenta basicamente na repetição da história do primeiro filme. Mortes violentas de jovens desatentos.


"This isn't funny!"


Agora fico me perguntando num estilo John Cusack em Alta Fidelidade: Será que somos insensíveis por assistir filmes como Sexta Feira 13, ou assistimos filmes como Sexta Feira 13 por sermos insensíveis?
A apresentação das mortes na franquia de Jason é algo tragicômico, personagens horríveis morrem nas mãos de um sujeito que não tem nenhum senso de humor. O cinema trash pode ser algo realmente divertido (qualquer um que assistiu os novos "Piranhas" consegue entender o que digo), e são aqueles que divertem que conseguem marcar e resistir ao tempo. Christine (o carro assassino, lembram?) é um filme trash, mas com humor e poesia! Inúmeros outros exemplos já foram lançados, e em diversas épocas.
O primeiro Hellraiser teve orçamento de um filme B, mas a história recebeu grande parte do investimento, habilitando-o a ser um dos maiores clássicos do estilo. Sexta Feira 13 recebeu grande parte do investimento nas atrizes e em seus seios.

O ponto disso tudo é que eu realmente queria entender como pode um vilão como o Jason (que mal entende o que acontece ao seu redor) ser tão louvado, e tão famoso (ao ponto de ser feita uma produção realmente cara como Freddy vs. Jason que mencionei) e Hellraiser fica nos anais do cinema britânico enquanto os fãs esperam que a originalidade das histórias tenha um financiamento compatível. O público é tão insensível e apático (espelhando o Jason) a ponto de não ser sequer capaz de apreciar a poesia em Hellraiser?
Admito, demorei pra prestar atenção em qualquer um dos dois filmes. Perdi grande parte do gosto pelo cinema terror na minha infância. Mas recentemente resolvi pular os preconceitos e assistir esses dois marcos culturais. Como todo bom apreciador da sétima arte, uma das coisas que procuro em todo filme que vejo é o aspecto de originalidade. O que difere aquilo que estou assistindo de todo o resto que já vi antes? E essa foi a questão que fez eu me encher de Jason Voorhees. Ele é um zumbi sem falas, sem grandes objetivos de vida (proteger sua tumba de adolescentes excitados não me parece algo muito glorioso) e sem um pingo de mistério (a única coisa a respeito de Jason que não é revelada é o motivo de sua suposta imortalidade). Mas Pinhead (vilão constante da série Hellraiser, interpretado sempre pelo britânico Doug Bradley) é aquilo que se espera de um vilão. Claro que existe uma exploração da dualidade da personagem, mas a capa do mistério sempre sobrevoa nosso Cenobite. Em nenhum dos filmes que vi até agora existe uma explicação para as ações dele. Apesar de termos pinceladas gerais para responder essa e algumas outras perguntas direcionadas à natureza de Pinhead, é o desconhecido que impera na personagem. Sendo que, além do óbvio mistério acerca da personagem, temos também uma criatura demoníaca com apurado senso de humor! Ameaças dúbias, discussões filosóficas com vítimas, espaço para barganhas. Um enriquecimento completamente humano torna a violência muito mais intensa. Essa riqueza da personagem que permite a riqueza nas histórias. E é isso que atrai a mim e milhares de outros fãs.

Que fique claro que cito aqui apenas dois exemplos de uma miríade infindável de títulos (cinematográficos, literários e musicais) pra que seja possível uma absorção mais fácil da questão que levanto. Quem não conhece nenhuma das duas séries que mencionei, ressalto que são parte da cultura obrigatória no mundo ocidental. 

Um comentário:

  1. Cara, genial, adorei o texto nm pela reflexão que propõe.

    Isso me lembrou algo nm muito pertinente ao texto (perdoem_me escritores do blitz, por alguns erros de português, pois tomei alguma garrafas de vinho e estou no celular.)

    mas eu lembro de quando era criança iana locadora na seção de filme de terrror, e sempre via o rosto do cenobi aquela cabeça careca cheio de pregos. ao mesmo tempo que eu vi a condição do sexta feira 13. ficat engraçado lembra agora mais eu nunca lugar nenhum filme da série hellraiser porque eu senti muito medo da capa do filme. em compensação eu com certeza vi mais de uma vez os filmes da série do jason.

    ig lendo o texto agora, concordo com teu argumento de acordo com meu sentimento do passado. acho que ver um máscara de hockey e gostosas no verão da capa me atraia muito mais, numa tensão mais superficial, tolerável por um cagão como eu era desde aquele tempo, do que o mistério daquele careca, que gerava um medo mais profundo.

    É louco ver como os pesos disso, que significaram muito para mim na infância (principalmente porque eu visitava a sessão de terrorr da Video 1 a noite, e elaficava silenciosamente assustadora para uma criança como eu), podem ser discutidos no nível da cultura popular.

    Valeu, gostei!

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