segunda-feira, 19 de novembro de 2012

E-mails.


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Todo texto publicado nesse blog passa pelos olhos dos três colaboradores. Frequentemente conversamos por e-mail tentando bolar novas ideias e ver quem se encaixa melhor com determinado tema. Logo abaixo estou publicando um trecho de uma dessas conversas. Achei que ficou divertida demais pra deixar passar.
Os nomes dos colaboradores foram alterados, assim como a redação de cada um, mas sem comprometer nossos estilos. Enjoy!

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Don: Os tempos não são mais os mesmos, cara... Na antiga União Soviética era proibido escutar e até ter discos dos Beatles. Os jovens que eram realmente fãs compravam esses discos no mercado negro. O salário mínimo na época (comum a muitos jovens) era na faixa de 150 rublos, enquanto isso um disco da banda no mercado negro custava na faixa de 80 rublos. Ainda assim eles compravam.
Mas eles tinham problemas pra amplificar o som. Começou uma procura imensa por chapas usadas de raios X. O tráfico disso era surreal. Eles colocavam o disco em cima da placa, uma agulha no disco e rodavam. O som era amplificado e eles conseguiam ouvir. Sem amplificador, sem caixa de som. Só uma maldita chapa.

Dexter: Então agora você é comunista?

Don: Tô falando sério! Onde que tu acha que isso aconteceria hoje? Com que banda? Com que público?

Meg: Eu entendo o que você tá falando, mas a situação era completamente diferente. A música era muito mais do que só umas notas, era uma declaração pra humanidade. Não precisava ser os Beatles, ou os Stones, ou qualquer outra. A questão pra esses jovens era a de que existia um outro mundo, algo radicalmente diferente de tudo o que eles ouviram falar e, por acidente, os Beatles foram os mártires da situação.

Dexter: Essa é a questão que ele tá levantando. Ele tá falando da época em que música não era só entretenimento. Eu concordo que a visão do povo em relação à música mudou, mas a Meg tá certa, o mundo tá diferente.

Don: Ok, então o mundo mudou, a visão mudou, mas nem por isso o poder da cultura pop tem que enfraquecer. Podia ter mudado de forma, como todo o resto. Poderia não significar liberdade, mas dor, indiferença, qualquer outra coisa que marque o mundo de hoje!

Dexter: Acho que o problema é que os poetas que existiam acabaram se cansando, e não tem ninguém pra tomar o lugar. O Bob Dylan, por exemplo. O cara tinha uma voz horrível, fazia músicas cansativas, e só sabia irritar os fãs, mas a poesia dele era uma coisa que atingia as pessoas. Não sei contar quantas versões de músicas dele gravadas por outros que realmente impressionam, e acho que é porque tinha algo realmente potente naquele som. Algum sentimento muito intenso que não dava pra deixar passar, especialmente se você tivesse alma de poeta.

Meg: Mas nem todo mundo era poeta nessa época. Era o povão que curtia o som de alguém como o Dylan, mas era tudo trabalhador, gente que só ouvia isso depois de passar o dia na construção, estacionando carros, correndo atrás de remédio pros filhos, se quebrando pra pagar o aluguel. Sei que esse tipo de gente ainda existe, então como pode ninguém desse grupo ser chamado de poeta?

Dexter: Caralho, Meg. Não tô falando que todo mundo era poeta. Não basta assistir “On the Road” pra sacar a realidade da época. O fato é que toda ideia interessante, pra ser assimilada por alguém, tem que ser alguma coisa que esse alguém já pensou antes. Nem que tenha dispensado instantaneamente achando “ah, isso não me interessa agora”, mas já ficou dentro da pessoa aquilo. Se o playboyzinho ouve uma música sobre a empregada que faz tudo e não tem nada em troca, não vai significar nada pra ele. Pode até achar uma melodia bonita e tal, mas não passa disso. Agora, se o filho da empregada ouve essa música, ele se empolga com aquela sensação “cara, alguém mais saca isso!”. A poesia é aquilo que dá voz pros outros, não pro poeta. Ter a alma e o coração de um não significa que vai praticar, só que você vai entender.

Don: Cara, não sei ainda se concordo ou não com isso. Mas será realmente que o povo mudou de um jeito que não prestaria atenção em alguém que falasse em uníssono? Nada de promessas políticas, mas uma manifestação artística dando voz aos anseios e aos medos.

Dexter: Não acho que o povo sequer precise disso agora.

Meg: Tá, se o povo não precisa disso, então como pode tanta gente reclamar da qualidade da arte de hoje?

Dexter: É que quem reclama são aqueles que tem algo de diferente! Quem acha que Skrillex (acho que escreve assim o nome dele) é uma barulheira sem sentido e prefere ouvir algo como Chico Buarque ou Miles Davis é quem reclama. Não adianta esperar uma reclamação dessas de alguém que não tem mais sensibilidade nenhuma!

Don: Acho que estamos alienando gente demais, velho.

Dexter: A gente sempre alienou gente demais. Nós três. Por isso pulamos nesse negócio de blog! A gente ainda tem esperança que alguém se interesse e se sensibilize com aquilo que tem sentido pra gente. Você mesmo fala, Don, que não conhece quase ninguém que se empolgue de verdade com cinema e música. A Meg vive reclamando que não curte essa literatura intelectoloide do pessoal que cerca ela, e prefere alguma coisa com substância real! “It can’t be borrowed balls, recicled balls... They gotta be FRUIT balls!”*

Don: Mas e daí? Não adianta nada a gente achar um grupo legal pra ficar elogiando uns aos outros. Tu não acha que vale mais tentarmos converter pessoas que normalmente não pensariam naquilo que valorizamos? Nunca fomos isolados, e tu sabe disso. Sempre tivemos alguém pra conversar sobre o que fosse, e foram esses contatos que nos forçaram a pensar sobre algo além do que acreditávamos. Crescemos com cada contato que vem de fora do nosso mundo, então acho que é possível tentar achar gente que não acreditava ter interesse nisso tudo.

Meg: A religião da cultura pop? “Todos saúdem o Fonzie!”**

Dexter: Olha, até pode acontecer, mas como eu disse antes, não acho que sejamos bons o bastante pra colocar na cabeça de alguém alguma coisa que já não tenha passado por lá.

Don: Eu posso ser cínico pra diabos, cara, mas não consigo acreditar que as pessoas sejam TÃO fechadas assim!

Dexter: Eu torço pra estar errado, meu! Sério! Mas olha só. Nos anos 1950 tínhamos músicos fantásticos, Chuck Berry, Muddy Waters, Miles Davis, e assim vai. Hoje temos quem?

Meg: Também dá pra pensar que hoje tem a janela pra aparecer gente desse nível, mas com um foco que se adeque à necessidade popular atual.

Don: Exato.

Dexter: E enquanto isso tem o risco de alguém com verdadeira alma de poeta estar se encolhendo num canto achando que ninguém teria vontade de prestar atenção. Perdemos uma pessoa fantástica (culturalmente falando) enquanto tentamos encontrar um universo de gente meia boca.

Don: Cara! Isso é cultura pop! Não é uma salvação, não é uma necessidade vital pra maior parte das pessoas, não é algo que vai melhorar o mundo! Isso é alimento pra quem tá afim, só isso! Tu tem que parar de agir como se pudéssemos melhorar o mundo conhecendo um artista a mais ou a menos!

Dexter: Não é a arte que melhora o mundo, eu sei disso. Pra melhorar, o povo precisa se manifestar, ok. Mas será mesmo que o povo não se manifestaria se a visão de mundo fosse um pouco mais otimista? Não é isso que a arte faz pela gente?

Meg: A arte é uma escapadinha. Quem quer fazer realmente alguma coisa não depende de uma música ou um livro! O trabalho do artista é só ajudar os outros a se sentirem diferente daquilo que tão acostumados.

Don: AH, eu tô indo nessa... Depois continuamos.

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Notas: (*) Referência ao filme Still Crazy.
(**) Referência às séries Happy Days e Family Guy

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